Loucura, quem é você? GREP Disserta

Este é um espaço reservado para @s participantes do GREP - Grupo de Estudos em Psicanálise - debaterem quinzenalmente um tema levantado pelo grupo, algo que seja relevante e que enseje reflexão da comunidade acadêmica e da população geral sobre temas cotidianas e caros à psicanálise. A ideia desta coluna, portanto, é que @s própri@s estudantes se mobilizem a produzir uma reflexão pertinente e socialmente importante.    

Publicado em 11 de setembro de 2018

Autoras (estudantes de psicologia): Karina de Araújo Ferreira, Karina de Oliveira Fialho, Yanara Bernardino de Almeida. Supervisora: Professora Luciana Cavalcante Torquato.

"A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que seja um continente."
Trecho do livro O Alienista, de Machado de Assis.

O GREP – Grupo de Estudos em Psicanálise – conclui neste mês de agosto seu primeiro ano de encontros semanais, às quartas-feiras, na Univiçosa, e um fato curioso é que o próprio Freud também se encontrava com um grupo de pessoas a fim de debater sobre a psicanálise na chamada “sociedade psicológica das quartas-feiras.” Curiosidades à parte, durante este período foram explanados importantes conceitos; percorrendo a noção de sexualidade feminina, Complexo de Édipo, perpassamos ainda pelo caminho da formação dos sintomas, pela histeria, e, de forma geral, pela estrutura clínica neurótica. No presente momento, avançamos a partir de um tópico que suscita, desde o início dos tempos, curiosidade, temor e atração das pessoas: a loucura.

Loucura? Você pode estar se perguntando sobre qual loucura estamos nos referindo, afinal, desde criança construímos a imagem do louco como o “homem do saco”, aquele que fala sozinho e anda perambulando pela rua, ou talvez aquela figura do chapeleiro maluco do clássico Alice no país das Maravilhas. De todo modo, essas imagens fazem sentido quando pensadas em formas de expressões da loucura, como aquilo que é considerado “non sense”. Todavia, com a emergência e a ascensão do capitalismo, a loucura perdeu a dimensão de expressão da vida humana e reduziu-se à categoria de doença mental, sendo, a partir de então, organizada, classificada e medicalizada das mais diferentes maneiras. Nesse processo, o saber do louco se torna desqualificado e desprovido de razão.

Obra prima de Bosch e Bruegel

Não é novidade, para os “psi”, que Freud teve como inspiração para seus estudos as histéricas vienenses do século XVIII. No entanto, não deixou de pesquisar sobre os considerados “sem razão”, denominados pela ciência como psicóticos, sobretudo a partir do famoso caso do presidente Schreber – que ficou reconhecido a partir do estudo feito por Freud a partir do relato de memórias deste. O pai da psicanálise, embora teorizasse sobre o assunto, contraindicava o tratamento psicanalítico para pacientes psicóticos. Freud entendia que, devido à retirada de libido dos objetos por parte desses sujeitos – que se configurou através dos estudos sobre o narcisismo, os psicóticos não estabelecem o laço de amor transferencial com o analista, fator fundamental para a ocorrência de um processo de análise. Todavia, décadas mais tarde, Jacques Lacan reconfigura a clínica freudiana, ressaltando que não devemos recuar diante da psicose, mas aprender a reconhecer com ela seu estilo e suas saídas, pensando a transferência, nessa modalidade, de uma outra maneira que na neurose.

 Buscaremos comentar, ainda que bastante apressadamente, o estabelecimento da psicose para os dois psicanalistas. Inicialmente, Freud identificava a psicose como um mecanismo de defesa do inconsciente, isto é, uma neurose de defesa que perpassaria pelo mecanismo de projeção ao qual foi vinculada à noção de recalque. Contudo, a partir de seus estudos, sobretudo a partir do caso Schreber, Freud consegue identificar que não há um mecanismo de projeção de recalque, isso porque observou que há um retorno desde fora do que foi eliminado internamente, não se tratando, portanto, de um mecanismo projetivo: como projetar algo se não há nada dentro? Assim, se houve uma eliminação interna de conteúdo, nota-se que isso se refere a uma dificuldade do sujeito de encontrar maneiras para se representar, se significar. O que possibilitou a Freud compreender que o delírio na psicose se refere a uma tentativa de cura e não uma desestabilização, isto é, o delírio é entendido como meio de estabilização (GUERRA, 2010).

A partir dos apontamentos de Freud, Lacan identifica que na psicose haveria uma operação simbólica (operação significante) que se procederia no campo da linguagem. Dessa maneira, compreende-se a relação do sujeito com a estrutura como uma estrutura significante, o que propiciaria uma nova configuração da ideia de defesa. Assim, Lacan entende que a defesa — que é constitutiva — altera a relação do sujeito com a linguagem a partir do momento que se dá a sua própria constituição. Portanto, ele articula o significante à operação constitutiva da psicose, no caso à foraclusão, a rejeição primitiva, o que constitui a Lei e a condição do desejo, identificada como Nome-do-Pai. Como na psicose não há essa instauração do Nome-do-pai, o que se encontra no Outro é um puro furo. O que é o contrário no caso da neurose, onde há uma afirmação que possibilita a inscrição desse significante primitivo, inscrição que não se dá na psicose. Em suma, Lacan, em seu primeiro seminário, compreende a rejeição primordial como uma supressão que ocasiona um extermínio simbólico, em seguida articulando essa ideia à não inscrição do significante Nome-do-Pai, fenômeno também conhecido como foraclusão (GUERRA, 2010).

Diante tudo isso, podemos nos ater ao seguinte fato: tanto na neurose[1] quanto na psicose há uma perda da realidade, o que se altera é o modo como cada um encontra para se reestabelecer. No caso da psicose, a saída possível se encontra pelo delírio, havendo assim uma rejeição ao que é desagradável, já na neurose a saída possível é pela fantasia se procedendo o recalque enquanto uma rejeição ao desagradável (GUERRA, 2010). Logo, nos questionamos se é necessário ainda tender à posição daquele que compreende o saber do louco como algo desqualificado e desprovido de razão, uma vez que (no fundo) estamos todxs tentando evitar a mesma coisa...

“A vivência do delírio é a mesma que realizamos em cada noite em nossos sonhos;

porém, há algo que nos aparta do delírio quando despertamos,

e o naufrágio e derrocada da psicose decorre da ausência disso.

Enquanto neuróticos, sonhamos sem nos perdermos no mundo fantástico da psicose.” (FREIRE, 1998). Pág. 89.

[1] Neurose, psicose e perversão são denominações para as estruturas clínicas que explicitam a maneira como os sujeitos lidam com o impasse da castração ou ainda frente à carência da linguagem como conseguem exprimir a experiência pulsional. Quem delimitou-as assim foi Lacan, mas em Freud se consegue obter as bases que as estabelecem.

Referências Bibliográficas

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O alienista. São Paulo: Ática, 1998.

FREIRE, Joyce M. Gonçalves. Uma reflexão sobre a psicose na teoria freudiana. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 1, n. 1, p. 88-110, 1998.

GUERRA, Andréa Maris Campos. A psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 12-26.