GREP Disserta - Outro do Outro

Este é um espaço reservado para @s participantes do GREP - Grupo de Estudos em Psicanálise - debaterem quinzenalmente um tema levantado pelo grupo, algo que seja relevante e que enseje reflexão da comunidade acadêmica e da população geral sobre temas cotidianas e caros à psicanálise. A ideia desta coluna, portanto, é que @s própri@s estudantes se mobilizem a produzir uma reflexão pertinente e socialmente importante.

Publicado em 05 de março de 2018

Estudantes de Psicologia: Karina de Araújo Ferreira, Karina de Oliveira Fialho e Nismaira Caetano de Paula. Revisão Conceitual: professora Luciana Torquato.

 E VOCÊ COM ISSO?

 

 Virgínia Leone Bicudo (São Paulo, 1915-2003), socióloga e psicanalista brasileira.

 "O que fizemos aos senhores
Além de nascer com essa cor?
E de sorrir lindamente diante
de nossa amiga dor?"

Rashid – A Cena 

Não se trata de um assunto novo a relação que os homens e o sistema referenciado a estes, o patriarcado, mantêm em relação às mulheres, desde os primórdios, de submissão e dominação. Estas são vistas, como um Outro, termo cunhado pela filósofa e intelectual francesa, Simone de Beauvoir (Paris, 1908-1983) que, durante seu percurso filosófico sobre a categoria de gênero revela que a mulher não é definida em si mesma, mas em relação ao homem e por meio do olhar do mesmo. Olhar que a confina num papel de submissão, que comporta significações hierarquizadas através deste olhar masculino. Para aprofundar a questão, convidamos @s leitor@s a refletirem conosco: se a mulher ocupa esse lugar de Outro por não ter reciprocidade do olhar do homem, como fica a mulher negra nessa história? O tratamento conferido às mulheres brancas e negras funciona de maneira semelhante no mundo? E no Brasil? A escritora e artista portuguesa, Grada Kilomba (Lisboa, 1968), discursa que a mulher negra é o outro do outro, posição que a coloca num local de mais difícil reciprocidade (Kilomba, 2008).

Para início de conversa, gostaríamos de lançar a questão: Você car@ leitor@, amante de psicanálise, saberia nos dizer quem foi Virgínia Bicudo? FOI A PRIMEIRA PSICANALISTA NÃO MÉDICA NO BRASIL. “Eu fui a primeira pessoa que usou o divã da Doutora Koch [Primeira psicanalista da América latina]. Mas não é pra contar isso pros outros, viu? Os médicos não vão gostar” (Virgínia Bicudo, entrevista a Marcos Maio).

Prosseguindo com o nosso papo, essa deslumbrante figura, Virgínia Bicudo, é um clássico exemplo que utilizaremos para transmitir e demonstrar como a mulher negra é considerada o outro do outro. Percebe-se como ela teve um papel fundamental no contexto brasileiro, tendo em vista que foi a primeira, não só a primeira mulher, mas a primeira pessoa a escrever uma tese sobre relações raciais no país, além como já citado a primeira psicanalista não médica no Brasil. Pois bem, como uma pessoa que contribuiu demasiadamente é passada tão despercebida ou não é ao menos citada em algum momento durante os cursos de graduação?

Observa-se que o feminismo, durante um tempo, utilizou a generalização do campo feminino, não considerando que mesmo dentre esse universo haviam desigualdades específicas, o que foi sendo alterado e passando a compreender que a desigualdade de gênero precisa se atentar a qual lugar determinada mulher está ocupando. Assim, o primeiro fator a ser observado se encontra na seguinte afirmação de Carneiro (2003) de: “que o racismo rebaixa o status dos gêneros” (p. 119). Carneiro (2003) chama atenção para o fato de que o racismo traz para a mulher mais um fator de desigualdade, a racial.  Além de mulher deslocada dentro do sistema patriarcal­­, ser negra torna-se outro fator de desigualdade diante da maioria simbólica branca.

Diante o que foi explicitado até o momento, talvez tenhamos mais clareza quanto o motivo pelo qual Virgínia Bicudo não é comumente citada na graduação em Psicologia. Destacamos ainda um contexto sociocultural forjado sobre o mito da democracia racial encobre e mascara essa realidade presente a todo instante nas relações sociais, inclusive no âmbito acadêmico. Assim cabe fazer a seguinte pergunta: Quantas professoras negras você tem? E quantos professores negros? Porque será?

Enquanto sujeit@s em interação com o meio e responsáveis pelas transformações que ocorrem e perpetuam até o presente momento em relação a essa realidade, o que pode ser feito frente a tudo isso que foi discursado? Fica o questionamento sobre a posição que cada um@ possui dentro dessa perpetuação, o que também é feito por cada um@ que contribui ou não altera essa situação. 

Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003.

BRASIL DE FATO. Impactos do racismo não são reconhecidos pela psicanálise afirma psicológa. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/07/31/impactos-do-racismo-nao-sao-reconhecidos-pela-psicanalise-afirma-psicologa/> Acesso em: 27 de fevereiro de 2018.

HUFFPOST. Quem foi Virgínia Bicudo: Mulher, negra e pioneira na psicanálise, mas invisível no Brasil. Disponível em; <http://www.huffpostbrasil.com/2017/04/16/quem-foi-virginia-bicudo-mulher-negra-e-pioneira-na-psicanalis_a_22041991/> Acesso em: 22 de fevereiro de 2018.

KILOMBA, Grada. Plantation memories: episodes of everyday racism. Berlim: Unrast, 2008.

MAIO, Marcos Chor (2010) Educação sanitária, estudos de atitudes raciais e psicanálise na trajetória de Virgínia Leone Bicudo. Cadernos Pagu, n. 35, p. 309-355, jul.-dez. 2010a.